Bom. Está preparada para ouvir mais um "causo"?
Então eu vou contar.
O pessoal fala da TOCA FEIA, que é isto, que é aquilo, mas, será que eles sabem mesmo o que ela é?
Falando resumidamente. Eu estive lá diversas vezes na década de 60, desde moleque. Nas duas últimas fui muito longe, eu acho.
Na penúltima vez éramos uma turma numerosa, mas no fim quem continuou fui eu e o Massacatu. Sempre íamos atrás da lenda de que havia outra "saída" na outra ponta. Qual o quê. A maior parte do tempo você tem que rastejar sobre pedras, com o corpo na água e a cabeça batendo no teto. Tem um trecho que você entra numa espécie de bueiro que mais parece uma boca de forno de padaria e você sobe um pouco e depois vira de ponta cabeça e não pode se virar para voltar, tem que ir adiante. E continua descendo cada vez mais. Até que se chega num lugar que o corredor forma uma espécie de bacia e você encontra areia no fundo. Aí começa a subir. Oba, chegamos no meio do caminho! Que nada, mais adiante começa a descer de novo e a coisa vai se complicando. O ar que já era quase nada começa a ficar pior ainda. Você dá alguns passos e já está cansado, tem que sentar e esperar mais um pouco. Os morcegos já estão bem longe, que eles não são nada bobos. Até que você então, finalmente, desiste e decide voltar.
E os nossos faroletes?! Tudo improvisado, amarrados com arame. E os medos? Lá você descobre que o medo é transmissível. Se todos estão firmes, todos prosseguem. Se um começa demonstrar temor de alguma coisa, qualquer coisa, aí os outros também desmoronam. Aí você aprende a ser firme e não pensar em nada e muito menos deixar que os outros percebam. Eu sei que depois dessas aventuras eu deixei de ter medo de muita coisa e até consegui superar alguns pesadelos que vou te contar em outra hora.
Era muito sofrimento e não era coisa para qualquer um. Tinha que estar muito em forma. Depois que você saia você ficava uns dois dias com o corpo todo dolorido, como se tivesse levado uma surra e jurava nunca mais fazer aquilo de novo.
Na caverna você não percebe o tempo passar, diferente do lado de fora. Também é mais quente, você não sente frio, mesmo com o corpo na água. O mais interessante era quando você estava retornando e começava a enxergar a luz de fora. É indescritível. Você via o mundo numa tonalidade de azul, um azul sutil, diferente e que ao mesmo tempo dominava o ar, as plantas, tudo. Como o mundo ficava lindo nessa hora, não havia coisa igual. E respirar o ar puro. Aquele ar que vem dos lados do rio Taquari, tem um cheiro que é só dali, não existe em nenhum outro lugar, você sabia?
Nessas vezes, tínhamos as músicas que tocavam dentro das nossas cabeças: "Súplica Cearense" (talvez pelo sofrimento), a "Roda Viva" do Chico Buarque (com o coro grave do MPB4), "Look to your soul" do Johnny Rivers (que me parecia uma mistura de mistério com alguma "deprê").
É uma coisa muito arriscada, não é recomendável ir tão longe. Por isso eu acho muito difícil alguém ter feito o que fizemos, pois, eu acho que os especialistas mais preparados não vão e dirão que lá não é um lugar para se arriscar tanto.
Um dia eu voltei lá e quando senti aquele ar, todas as lembranças voltaram na mesma hora.
Ai, ai. Acho que já estou abusando. Me desculpe, é essa minha vontade de lhe contar tudo.
Deste que muito lhe admira, seu amigo,
Wagner.
Que nada amigo...
pode continuar me contando suas Aventuras de "moleque"...
eu adoro!